Gabriel Chalita
Paulo Bomfim, príncipe dos poetas brasileiros, escreveu que o jovem precisa de um tema para viver. O ser humano necessita de um tema que signifique a sua vida. Parece simples. Ser feliz, o voo. A vida, o limite. Mas a complexidade parece estar na ausência de valores tão necessários à escolha da rota, da travessia.
Há homens e mulheres que elegem para suas trajetórias o tema do poder. Buscam, ilimitadamente, ainda que dentro do breve limite da vida, o poder, mergulhados no egoísmo e ligeireza do tema. E há mulheres e homens que são líderes. Há quem pense que os líderes surgem ao acaso. Engano. Os líderes se formam, naturalmente. Um líder se revela pelo tema que escolhe, por amor, para a sua vida.Não de forma obsessiva e fanática, mas determinada e apaixonada. São aqueles que assumem para si a responsabilidade da transformação da sociedade, abraçados às suas causas, às suas lutas na promoção do bem. Um líder gerencia sonhos comuns a toda a humanidade.
O filme Invictus nos oferece um notável exemplo. Nelson Mandela. Um líder que consagrou a vida ao tema da união, por uma África de pessoas iguais em liberdade e dignidade, independentemente da cor de sua pele. Durante mais de duas décadas, foi prisioneiro daqueles que insistiam em prejulgar os homens negros, relegando-os à categoria de seres humanos não tão dignos, não tão merecedores de iguais condições na vida. Mandela não arrefeceu. Fez-se gigante na clausura. Mostrou ter a humildade dos sábios. E a rara nobreza do perdão. Salvou da culpa os algozes que, na ignorância de suas convicções, interromperam seu sonho, sua travessia, o tema de sua vida; inclusive, entregou-se à luta por uma África mais justa também para aqueles que tentaram impedir uma parte de seu voo. Não desanimou, jamais. Foi resignado e líder de si e do povo de sua pátria. Ele sempre soube que a sua causa valia a pena.
“Fernão Gaivota descobriu que o tédio, o medo e a ira são as razões por que a vida de uma gaivota é tão curta (...) - Fernão, tu já foste banido uma vez. Que te leva a pensar que as gaivotas do teu tempo te poderiam dar agora ouvidos? Conheces o provérbio e é bem verdade: Vê mais longe a gaivota que voa mais alto! As gaivotas lá de onde vieste estão pousadas no chão, gritando e lutando umas com as outras. Encontram-se a mil e quinhentos quilômetros do paraíso, e, tu, ainda dizes que lhes queres mostrar o paraíso! Fernão, elas nem sequer conseguem enxergar as pontas das suas próprias asas!” (Richard Bach)
Como em uma grande sala de aula, já presidente eleito, viu-se diante de um povo separado entre dois grupos: negros e brancos. Seu colossal desafio: eliminar o abismo social que dividia, e ainda divide, os africanos. Como ensina Dom Bosco, “violência não se combate com violência”. Esse era o seu lema.
Não alimentar jamais a animosidade entre negros e brancos. A África de seu tema era livre, de pacífica convivência entre negros e brancos. Ensina-nos magnânima lição quando, com a habilidade política e humanitária de um líder responsável pela promoção da paz, vale-se de um fato cotidiano, de um problema comum aos dois grupos, para dar o primeiro passo na construção de um país, e até mesmo de um mundo melhor, tristemente marcado pela violência e preconceito. Se o esporte era capaz de despertar paixões de ambos os lados, nada mais positivo do que usá-lo como pretexto para a obtenção de um bem ainda maior. Foi o que fez Mandela.
“Sou o senhor do meu destino, sou o comandante de minha alma” foram os versos do poemaInvictus, tantas vezes por ele repetidos na prisão, que ensinou ao jovem capitão de um time de rugby falido, sem nenhuma credibilidade e prestes a participar da Copa do Mundo de Rúgbi, que Mandela, com a ousadia dos grandes condutores, aceitara sediar. Sob a inspiração do presidente negro, o capitão do time se reveste de toda a força capaz de estimular seus jogadores, partindo em busca da vitória. No campo, um sinal da concretude de seu sonho. Negros e brancos unidos por um sentimento de nacionalismo jamais denotado no país do apartheid. O líder negro fez nascer um símbolo nacional, proporcionando aos negros o inusitado de fazer parte, de integrar e participar da sua nação; e, aos brancos, oferecia a garantia de que a nova África se anunciava também para eles. Na igualdade de possibilidades. Nação una nas oportunidades.
Salvas as proporções da situação, mas não o desafio em si, os professores, no enfrentamento cotidiano da sala de aula, também se deparam com muitas questões que parecem de difícil solução: preconceito, agressividade, bullying, indisciplina, desinteresse, desrespeito, entre muitas outras.
O professor é um líder e igualmente necessita de um tema para ressignificar a sua vida, o seu ofício de fazer caminhar os aprendizes. Educadores são líderes que conduzem e não impõem. São líderes que apontam novos caminhos e não apenas persuadem a seguir o caminho que lhes parece o certo. São líderes que abdicam de suas escolhas pessoais em nome das vontades coletivas, para amainar os conflitos. São aqueles que criam possibilidades, a partir de um valor ou sentimento comum ao grupo, para a descoberta de novos caminhos, em comunhão com seus alunos, como queria Paulo Freire. Enfim, o educador líder torna as suas ações significativas, conduzindo seus aprendizes ao conhecimento de fato, pois é natural o interesse humano por aquilo que lhe faz sentido. Um educador deve, acima de tudo, ser exemplo. É o exemplo que determina a liderança e não o poder. Goethe afirmava que“um nobre exemplo torna fáceis as ações difíceis”.
Que poderes especiais teriam líderes como Mandela, Gandhi, João Paulo II, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá e outros tantos para mover multidões em busca do amor e da paz? Não seria qualquer ser humano capaz de se transformar em um líder? Basta ter respeito, amor, paixão por uma causa, crença na humanidade, generosidade, humildade. São todos esses valores que possuem aqueles que se decidem pela educação. Responsabilidade e compromisso com a mudança. E cuidado, muito cuidado, com o primeiro farfalhar de asas de seus alunos. Pois seus voos necessitam de uma rota, um norte, um tema. O educador líder preocupa-se em despertar as razões das trajetórias dos seus jovens aprendizes.
“Como vale a pena agora viver! Em vez de andar de um lado para o outro à procura de peixe junto dos barcos, temos uma razão para viver! Podemos sair da ignorância, podemos ser criaturas perfeitas, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!” (Richard Bach)
Ousemos ser invictos, senhores de nossos destinos, comandantes de nossas almas...
Artigo divulgado na revista Profissão Mestre de maio de 2010.